POR QUE PRATICAR
MUSCULAÇÃO TERAPÊUTICA?
Conceitos-chave
- Exercícios de resistência moderados têm efeito positivo não apenas sobre o corpo, mas também sobre o cérebro. A atividade física estimula, estabiliza e protege condicionamento mental. Nos últimos anos, pesquisadores têm esclarecido os mecanismos desse efeito: várias substâncias que facilitam a circulação sanguínea e a reorganização neuronal revelaram-se benéficas para o cérebro. Elas são produzidas de forma intensificada durante atividades musculares.
- Outros estudos comprovam que o exercício periódico pode refrear o declínio intelectual na velhice e ainda combater o estresse, pois o treinamento regular reduz o nível do hormônio do estresse, cortisol, que a longo prazo prejudica as células cerebrais. A atividade física funciona aqui de forma "neuroprotetora". O exercício também eleva a concentração de triptofano, uma substância precursora do neurotransmissor serotonina que favorece a recaptação do neurotransmissor, diminuindo efeitos da depressão. Além disso, durante a atividade física, são liberadas substâncias endógenas que estimulam a sensação de bem-estar.
Em que você pensa quando falamos em esporte? Em disciplina, desempenho, condicionamento? Na academia onde você malha muito raramente? Ou no parque onde caminha de vez em quando apesar de, no fundo, preferir estar relaxado no sofá de casa? Não se deixe enganar pela ladainha do prêmio que não vem sem suor ou da juventude eterna! O exercício que realmente faz bem está muito distante desses conceitos. Infelizmente, muitas pessoas associam a ideia de esporte principalmente ao esforço. Impulsionados pejo peso na consciência, muitos tentam se animar a ser ativos - a fim de manter o corpo em forma, perder alguns quilos ou ser mais saudáveis. Com um resultado bastante modesto. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que 1,6 bilhão de pessoas no planeta têm excesso de peso. No Brasil estima-se que esse número chegue a 70 milhões, sendo 25% considerados obesos. O motivo principal, além da má alimentação, é a falta de exercício. Segundo estimativas, isso gera custos de pelo menos 70 bilhões de euros por ano aos órgãos de saúde.
Contudo, a solução parece simples. Não é novidade que a atividade física moderada e regular estimula e mantém a saúde do corpo. O que cada vez mais pesquisadores têm comprovado é que a prática não fortalece apenas o coração e os músculos, mas também a capacidade mental, ajuda crianças a se desenvolver melhor, é aliada no combate à depressão e torna mais lento o declínio intelectual atrelado à idade. Para tanto, não é necessário nenhum esforço absurdo ou tortura - pelo contrário: o limiar da "dose salutar" é surpreendentemente baixo. Incluir passeios a pé ou de bicicleta na rotina (quase) diária já cumpre o objetivo.
Essa descoberta de pesquisadores contraria um antigo conceito segundo o qual o corpo e a mente estariam em concorrência entre si. Durante muito tempo, dizia-se que seria melhor para as crianças ficarem sentadas lendo um livro ou aprenderem uma língua estrangeira ou um instrumento musical em vez de correr atrás de uma bola, por exemplo. E quem quisesse manter seu potencial intelectual deveria exercitar preferencialmente o cérebro. Engano! Na verdade, a ciência tem comprovado que atividades físicas e mentais estão intimamente associadas. E para tirar o melhor proveito dessa interseção é preciso levar em conta características de cada fase da vida.
• Salto de autoestima
De maneira geral, a sociedade ocidental não atribui grande valor ao exercício para o desenvolvimento infantil. Adultos costumam fazer as crianças desde pequenas ficar sentadas e quietas em vez de correr por aí, a se concentrar, no lugar de pular de um lado para outro. A televisão, o computador e os videogames também colaboram para
tirar dos pequenos a vontade natural de se movimentar.
tirar dos pequenos a vontade natural de se movimentar.
Com isso, aparecem prejuízos primeiramente para o estado geral de saúde, com o surgimento de problemas posturais e obesidade, por exemplo. O corpo e o psiquismo, porém, não amadurecem independentemente - como uma função motora desenvolvida de forma insuficiente, por exemplo, pode frear o intelecto, pois, quanto
mais segura a criança está ao explorar seu ambiente, mais facilmente absorve novos estímulos. Dessa forma, subir nas coisas, saltar e correr marca o início de um ciclo que reforça a si mesmo.
mais segura a criança está ao explorar seu ambiente, mais facilmente absorve novos estímulos. Dessa forma, subir nas coisas, saltar e correr marca o início de um ciclo que reforça a si mesmo.
Um estudo coordenado pelo pesquisador Charles HilIman, da Universidade de IIlinois, em Urbana-Champaign, e publicado em 2008 mostra que crianças que se movimentam mais, em geral, obtêm melhores notas na escola. O desempenho em cálculo ou leitura, por exemplo, aumenta proporcionalmente à atividade física. No entanto, podemos perguntar aqui, com razão, o que determina esse resultado: será que pais que apoiam mais seus filhos em questões escolares também os estimulam mais a praticar esportes? A correlação entre valores estatísticos, porém, não revela nada sobre motivos mais profundos.
O pesquisador Phillip Tomporowski, da Universidade da Geórgia, também confirmou que o bom condicionamento físico de crianças é acompanhado de melhores resultados escolares. No entanto, ainda não é possível demonstrar experimentalmente a influência do esporte sobre o desempenho cognitivo. O que se sabe é que nem toda prática esportiva estimula a capacidade intelectual. O condicionamento aeróbico por meio de atividade muscular moderada costuma ser considerado frutífero, assim
como treinamentos de força parecem reforçar a capacidade de planejar e coordenar ações - em resumo, aquilo que chamamos "capacidades executivas".
como treinamentos de força parecem reforçar a capacidade de planejar e coordenar ações - em resumo, aquilo que chamamos "capacidades executivas".
Outro grande grupo de estudos, no qual em geral são utilizados camundongos e ratos, defende que a atividade física prepara a mente para o aprendizado. Experimentos para testar o efeito de treinamentos físicos sobre o cérebro de roedores remontam aos anos 60. A neurobióloga Marian Diamond, da Universidade da Califómia em Berkeley, hoje com 78 anos, foi considerada pioneira nessa área. Ela criou animais em "ambientes enriquecidos", gaiolas cheias de 'brinquedos", onde as cobaias eram
constantemente estimuladas de forma lúdica. Entre os roedores, as rodas de exercícios são as preferidas: eles percorrem, sem dificuldade, cinco a seis quilômetros por dia.
constantemente estimuladas de forma lúdica. Entre os roedores, as rodas de exercícios são as preferidas: eles percorrem, sem dificuldade, cinco a seis quilômetros por dia.
Ao analisar o tecido cerebral desses ratos treinados em laboratório, Diamond concluiu que o córtex, responsável pelas funções cognitivas mais elaboradas, de maneira geral tinha melhor irrigação sanguínea e era maior, em comparação à mesma região cerebral de animais da mesma espécie criados em gaiolas comuns. Além disso, os animais "estimulados" dessa forma atingem melhores resultados em testes de aprendizagem e comportamento.
Esses experimentos oferecem grandes vantagens aos pesquisadores: um camundongo ou rato não vive mais de dois ou três anos, sendo assim, é possível estudar o decorrer de sua vida quase em "câmera rápida". Além disso, as alterações no tecido cerebral podem ser observadas até mesmo em nível molecular com os métodos laboratoriais bem mais refinados desde os usados nos tempos de Diamond. Pela observação, cientistas puderam concluir que há principalmente dois tipos de efeito do exercício sobre o sistema nervoso: estimula o crescimento vascular e o neuronal.
O primeiro refere-se a processos que permitem que as ramificações dos vasos sanguíneos se desenvolvam ainda mais - e não apenas nos músculos, mas também em tecidos neurais. Dos capilares cerebrais provêm os neurônios com oxigênio e, consequentemente, a energia. Essas estruturas são fundamentais para o segundo mecanismo: o constante trabalho de construção e reestruturação das próprias células. Um recém-nascido vem ao mundo com a mesma quantidade de neurônios de um adulto: entre 100 bilhões e 500 bilhões. No entanto, nos pequenos essas células não estão densamente interligadas. Assim, nos primeiros anos de vida, o plano é "moldar e semear': de acordo com a necessidade e os estímulos, estoques de células não utilizadas rotineiramente são descartados, assim como novas ligações são formadas e fortalecidas. Os neurônios desenvolvem longos prolongamentos, tomam contato uns com os outros por meio das sinapses e criam redes de comunicação que processam informações de forma cada vez mais rotineira.
Pesquisas com animais indicam que principalmente o hipocampo, que funciona como uma central de aprendizagem e memória, é a área que mais tira proveito da melhor circulação sanguínea no cérebro e da produção desse "hardware" neuronal. Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade de Xangai com ratos de 5 semanas de idade e publicado em 2008 indicou que exercícios como caminhada moderada influenciam principalmente o giro dentado, um importante segmento do hipocampo. Uma quantidade elevada de substâncias mensageiras, como o fator de crescimento vascular (VGF, na sigla vascular growth factor) e o fator neurotrófico derivado do encéfalo (BDNF, brain derived neurotrophic factor), levou ao processo denominado neurogênese, que nada mais é que o crescimento de novas células neurais. Porém, o exagero dessa atividade benéfica teve efeito limitante, com excesso de corrida, a função construtora no cérebro dos roedores recrudescia.
Surgem, no entanto, questões inevitáveis: informações obtidas com animais podem ser transferidas para seres humanos? Será que o exercício é bom para crianças apenas porque o córtex de "ratos esportistas" é mais grosso e tem melhor circulação sanguínea? Os processos cerebrais são, em princípio, os mesmos em roedores e humanos. Portanto, parece óbvio que mecanismos semelhantes desencadeiem resultados similares. No caso de pessoas, no entanto, acrescentam-se inúmeros aspectos emocionais e interpessoais.
Se no início da vida é crucial o desenvolvimento do repertório motor, da linguagem e do pensamento, com o passar do tempo surgem outras prioridades, como adquirir competências sociais, testar os próprios limites e construir a autoconfiança por meio de vivências bem-sucedidas. Isso também pode ser facilitado pelo exercício.
Vários estudos já comprovaram que a atividade física eleva a sensação de bem-estar. Em um trabalho recente, a pesquisadora Karen Petty, colega de Tomporowski, comparou, por meio de questionário, a autoestima e o estado de espírito de adolescentes com sobre peso antes e depois de um programa de treinamento de várias semanas. Resultado: ao final, os participantes se mostravam mais animados, satisfeitos consigo mesmos e com uma autoimagem mais positiva.
Petty ressalta, porém, que não se trata apenas de criar condições favoráveis ao desenvolvimento neuronal por meio da atividade física. Na verdade, o exercício e as experiências associadas a ele influenciam posturas e hábitos que afetam o caminho a ser seguido na vida. Por isso, a diversão deveria estar em primeiro lugar: uma atividade escolhida por vontade própria e divertida que gere experiências de sucesso. Isso estimula crianças efetivamente. A natureza já cuida para que isso ocorra, na medida em que provê os pequenos com uma intensa tendência natural ao exercício. Tudo depende "apenas" de que nós não as refreemos. O deslocamento das prioridades pessoais - estudo, trabalho, relacionamentos e família - quase sempre deixa a atividade física em segundo plano na idade adulta. Em outras palavras: as pessoas têm menos tempo e muitas vezes se acomodam, preferem ir aos lugares de carro em vez de bicicleta, e usam o tempo livre para namorar, resolver questões de trabalho ou ficar com os filhos em vez de se exercitar. Frequentar academias, por exemplo, exige abertura de espaço na agenda - e boa dose de determinação. Muitas vezes, porém, simplesmente não há tempo para entrar em forma.
Se perguntarmos a adultos por que deveriam (pelo menos teoricamente) se exercitar, recebemos respostas que levam em conta "meios para atingir o fim desejado": ajuda a emagrecer, manter a saúde, ter uma "válvula de escape" após um duro dia de trabalho. De fato, estudos comprovam que a prática regular de atividade física ajuda a combater o estresse e a aliviar a sobrecarga emocional.
Por que isso acontece? Motivo número um: treinamento regular reduz o nível do hormônio do estresse, cortisol, que é liberado em razão da sobrecarga da hipófise. Essa reação faz com que o organismo seja imediatamente abastecido com energia adicional, mas a longo prazo isso prejudica as células cerebrais. A atividade física funciona aqui de forma "neuroprotetora" com os efeitos do cortisol.
Motivo número dois: o exercício eleva a concentração de triptofano no cérebro. Essa substância é um precursor do neurotransmissor serotonina que favorece o processamento das emoções. Em pessoas depressivas, o nível de serotonina e a neurogênese são bastante reduzidos. Médicos tentam compensar essa situação por meio da administração de inibidores da recaptação da serotonina (SSRI). Esses medicamentos fazem com que haja maior quantidade disponível do neurotransmissor nos contatos sinápticos das células neurais.
Motivo número três: durante a atividade física, opioides endógenos (do próprio corpo) estimulam o centro de compensação no mesencéfalo. É provável que seja a causa do runner's high, frequentemente relatado por esportistas assíduos - um sentimento de bem-estar experimentado durante o treino. Esse componente emocional da atividade física é hoje utilizado com sucesso no tratamento de distúrbios psíquicos. Em um estudo de 2007, coordenado pelo psiquiatra james Blumenthal, da Universidade Duke em Durham, na Carolina do Norte, por exemplo, mais de 200 pacientes com diagnóstico de depressão foram separados em três grupos. Os integrantes do primeiro foram instruídos a realizar exercícios regulares para melhorar a resistência; o segundo foi tratado com sertralina, inibidor seletivo da recaptação da serotonina, e o terceiro recebeu placebo. Quatro meses mais tarde, metade dos voluntários que faziam exercícios regulares apresentou melhoras tão efetivas quanto os que receberam tratamento medicamentoso. No grupo que recebeu placebo ocorreu um fato curioso: um terço dos pacientes teve sintomas clínicos atenuados num primeiro momento.
Como nenhum outro estudo confirma esse efeito benéfico, os cientistas tentam encontrar explicação por meio de outras análises, incorporados os resultados de vários trabalhos. O mais novo estudo comparativo desse tipo foi publicado por especialistas em saúde coordenados por Gillian Mead, da Universidade de Edimburgo, em 2009. Após a avaliação de 25 estudos com mais de 900 participantes, os pesquisadores perceberam o alto potencial antidepressivo nos exercícios de resistência. No entanto, se forem utilizados padrões metódicos muito severos, o efeito desaparecerá. Assim, seria necessário que os participantes não soubessem se pertenciam ao grupo de controle ou ao de tratamento. Naturalmente, esse tipo de teste cego é praticamente impossível em programas esportivos. Não se sabe também qual o papel desempenhado pelo apoio social mútuo, já que quando a pessoa corre, faz exercícios ou anda de bicicleta em grupo termina por desenvolver laços que podem influir em seu humor.
De maneira geral, a atividade física parece bastante adequada no caso de uma leve tendência à depressão ou de uma inquietação ansiosa. Mas quando há sintomas graves e causas profundas, como um trauma, somente o exercício não é suficiente. O estudo já citado desenvolvido por Karen Petty com jovens com sobrepeso nos leva a supor a mesma coisa. A "porção extra de esporte" fortaleceu a autoestima de participantes brancos - mas o mesmo não ocorreu com os de origem afro-americana! Nesses últimos, o desânimo aparentemente não apenas tinha raízes na insatisfação com a própria aparência, mas estava ligado a questões mais amplas, como a discriminação e marginalização social.
• Epigenética e cura
No caso de quadros de ansiedade e depressão a prática esportiva favorece a recuperação do controle sobre a própria vida, ajuda a pessoa voltar a fazer algo por si mesma e a desfrutar de um lugar no grupo de treinamento. E, ao que tudo indica, a prática regular diminui o risco de recaídas. Dez meses após o término do programa esportivo do estudo de Blumenthal, menos participantes retomaram o tratamento, em comparação com o grupo que recebeu medicamentos. Isso ocorreu principalmente quando os pacientes continuaram se exercitando de maneira regular depois do fim do experimento.
No entanto, independentemente das condições psíquicas, os efeitos positivos do exercício podem ser comprovados. A palavra mágica é "epigenética". Ela designa o complexo processo no interior das células que determina qual informação genética será lida em que momento e transformada em novas proteínas e substâncias mensageiras. Essas modulações genéticas também ajudam a determinar se - e quantos - novos receptores, ligações sinápticas e neurônios devem surgir, inclusive no cérebro saudável.
Hoje se sabe que a atividade física influencia a ativação e desativação de mais de 500 genes. Isso foi demonstrado pelos pesquisadores James Timmons e Carl Sundberg, do Instituto Karolinska, de Estocolmo, quando eles "receitaram" exercícios ergométricos a um grupo de homens jovens.
O neurobiólogo molecular Jeff Lichtman, da Universidade Harvard, comprovou em 1999 a rapidez com que alterações neuronais podem ocorrer. O pesquisador injetou uma tinta especial fluorescente no tecido intacto de cobaias, e assim puderam ser marcadas moléculas receptoras na membrana de células neurais e musculares às quais se conecta a acetilcolina, uma substância mensageira que transmite ordens de movimentação para as junções sinápticas, os locais de ligação entre o nervo e o músculo. O cientista esperava que uma estimulação artificial das transmissões de sinais levasse a alterações após alguns dias ou semanas, mas a densidade dos receptores aumentou muito após poucas horas.
Em outro estudo, um grupo coordenado pela médica Ana Pereira, da Universidade Columbia, em Nova York, selecionou voluntários saudáveis com idade entre 21 e 45 anos, com pouco contato com esportes. Após a realização de um teste de memória e de uma tomografia por ressonância magnética (TRM) , iniciou-se o treinamento na esteira ou na bicicleta na academia da própria universidade quatro vezes por semana, durante uma hora, por três meses. Depois desse período, os candidatos repetiram os testes de memória e resistência física, assim como o exame do cérebro. O hipocampo, importante para a capacidade mnemônica, passou a ter melhor circulação sanguínea, e os afetados tiveram pontuação mais alta nos experimentos de aprendizado.
• Combate à demência
É preciso reconhecer, porém, que isso nem sempre ocorre: muitas vezes, a atividade física não eleva o desempenho cognitivo de jovens adultos. Cérebros que trabalham "no limite" raramente podem ser ainda mais acelerados. Na idade adulta média, as pessoas tiram menos proveito direto das boas condições neuronais. Nesse caso, o que faz diferença é o fortalecimento da saúde física e psíquica. Nessa fase é mais saudável evitar a exigência excessiva consigo mesmo devido à ambição esportiva exagerada.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que só no Brasil 1 miIhão de pessoas sofrem de demência por Alzheimer. Devido ao envelhecimento da população e ao aumento da estimativa do tempo de vida, esse número deve crescer muito nos próximos anos. Até 2050, a porcentagem de homens e mulheres com mais de 60 anos na população deve dobrar. O problema é que, nesse último terço de vida, a probabilidade de uma pessoa adoecer de Alzheimer se eleva imensamente.
No entanto, o risco pode ser reduzido por meio de um estilo de vida ativo. Ao lado da alimentação saudável e do estímulo da rede de relacionamentos, os exercícios físicos parecem ser a prática mais adequada para manter a capacidade cognitiva por mais tempo. O pesquisador Eric Larson, da Universidade de Washington em Seattle, por exemplo, demonstrou que esportistas adoecem mais raramente de Alzheimer. Ele estudou 1.740 homens e mulheres com mais de 65 anos. No início da investigação de longo prazo, todos os participantes não apenas estavam saudáveis, mas apresentavam altos resultados para a faixa etária no teste de inteligência Cognitive Ability Screening Instrument (CASI). Os médicos examinavam os voluntários a cada dois anos, avaliando sinais de demência incipiente. Paralelamente, foram levantados o tipo de atividade física que praticavam e a frequência com que o faziam, além de dados sobre o estado geral de saúde, a condição psíquica, hobbies etc.
Após seis anos, 158 sujeitos estavam dementes, e 107 tinham diagnóstico de Alzheimer. O índice dos doentes entre aqueles que exerciam atividades físicas três vezes por semana ou mais estava em 13 por 1.000 - uma proporção mais baixa que o valor de praticamente 20 entre os inativos. O esporte reduziu especialmente o risco de demência entre aqueles que haviam apresentado as piores condições físicas antes do início do treinamento.
Várias dessas comparações entre os que gostam de se exercitar e outros mais ociosos apontam na mesma direção: os ativos têm melhores resultados em quesitos como atenção, memória e capacidade intelectual: conseguem memorizar mais informações, as processam melhor e demoram mais a se cansar.
No entanto, ainda há uma questão a ser resolvida. Pessoas bem ou mal condicionadas provavelmente se diferenciam também em outros pontos. Talvez as primeniras tenham, já por princípio, hábitos mais saudáveis e se alimentem melhor. Mesmo que isso seja verdade, não se pode desprezar o efeito do bom condicionamento. Que o exercício protege contra infartos, diabetes ou mesmo osteoporose, já se sabe há muito. E quem está em melhores condições físicas também não sofre um declínio mental tão rápido. Pesquisadores querem saber, porém, se o exercício na velhice também tem efeito direto sobre o cérebro. Uma pessoa saudável que chega aos 90 anos já perdeu até 20% dos neurônios que possuía quando jovem. No entanto, novas células neurais surgem ininterruptamente - só no hipocampo estima-se que apareçam vários milhares por dia. Ou seja: o cérebro em envelhecimento também passa por constante transformação.
O especialista em biomedicina Stanley CoIcombe e colegas da Universidade de Illinois, em Urbana Champaign, comprovaram isso em um estudo em 2006. Os pesquisadores dividiram, por sorteio, 59 idosos saudáveis entre 60 e 79 anos em três grupos: o primeiro passou por um treinamento cardiovascular, o segundo realizou exercícios de alongamento; e o terceiro, um programa de relaxamento. Todos os participantes treinaram três vezes por semana durante seis meses e, antes e depois desse período, tiveram o cérebro examinado no laboratório. Ficou demonstrado que o volume do lobo frontal, assim como o do temporal, cresceu após os exercícios de resistência. Como isso ocorreu exatamente é difícil de estudar em seres humanos. Para esclarecer a questão, os pesquisadores recorrem ao modelo animal.
O grupo de trabalho coordenado por Fred Gage e Henriette van Praag, do Instituto Salk, em La Jolla, na Califórnia, forneceu informações inéditas sobre a neurogênese em idade avançada. Os neurobiólogos treinaram ratos de 19 meses durante várias semanas com rodas de exercícios. Depois, os animais idosos foram submetidos ao
"water maze test' - um experimento para avaliar a memória no qual eles nadam dentro de uma bacia d'água e devem se lembrar do local onde está uma plataforma que pode salvá -Ios. E vejam só: os velhinhos esportistas conseguiram cumprir a tarefa melhor do que os roedores sedentários da mesma idade. Além disso, o índice de neurogênese nos animais treinados era apenas pouco menor do que o de cobaias jovens. Aparentemente, a perda de hardware neuronal com a idade pode ser, emparte, compensada.
"water maze test' - um experimento para avaliar a memória no qual eles nadam dentro de uma bacia d'água e devem se lembrar do local onde está uma plataforma que pode salvá -Ios. E vejam só: os velhinhos esportistas conseguiram cumprir a tarefa melhor do que os roedores sedentários da mesma idade. Além disso, o índice de neurogênese nos animais treinados era apenas pouco menor do que o de cobaias jovens. Aparentemente, a perda de hardware neuronal com a idade pode ser, emparte, compensada.
"O desenvolvimento do cérebro dura a vida inteira", confirma também o pesquisador da neurogênese Gerd Kempermann, da Universidade Técnica de Dresden. No final dos anos 90, ele descobriu junto com Van Praag e Gage que a atividade física estimula o crescimento de neurônios também em adultos. Os pesquisadores CharIes Cotman e Nicole Berchtold, da Universidade da Califórnia em Irvine, descobriram as causas moleculares: camundongos que corriam assiduamente na roda produziam mais um importante fator de crescimento neuronal (BDNF). E após um descanso de vários dias os animais voltavam a atingir rapidamente o nível que os seus semelhantes não treinados só conquistavam por meio de um programa de corrida de semanas.
Mas o que acontece no caso da demência já presente? Será que o decIínio intelectual pode ser refreado pelo exercício? Isso foi estudado em 2005 por um grupo coordenado por Paul Adlard, também da Universidade da Calífómia. em camundongos geneticamente alterados. Os animais foram induzidos artificialmente a desenvolver um problema genético que causa redução das células neurais. A situação é semelhante à de pessoas com Alzheimer. Os pesquisadores dividiram os roedores doentes em dois grupos. A única diferença é que em uma das gaiolas havia uma roda de exercícios e na outra não. Após cinco meses, os animais que corriam
apresentaram menos placas amiloides no córtex do lobo frontal e temporal do que outros, da mesma idade, que estavam em gaiolas comuns. No hipocampo foi encontrada apenas metade dos emaranhados de proteínas que caracterizam a doença.
apresentaram menos placas amiloides no córtex do lobo frontal e temporal do que outros, da mesma idade, que estavam em gaiolas comuns. No hipocampo foi encontrada apenas metade dos emaranhados de proteínas que caracterizam a doença.
No mesmo ano, pesquisadores da Universidade de Chicago comprovaram que camundongos transgênicos com Alzheimer também tiravam proveito de "pequenas expedições" por ambientes estimulantes: eles saíam em "férias de aventuras" em uma ampla gaiola com roda de exercícios, túneis coloridos e brinquedos, no início por três horas diárias - e, após um mês, três vezes por semana. Os passeios retardaram consideravelmente o declínio do hipocampo. O estímulo aparentemente fortaleceu a capacidade do cérebro dos roedores de eliminar a perigosa beta amiloide. Como demonstraram análises, as vias sinalizadoras epigenéticas foram responsáveis por isso: nos núcleos celulares dos neurônios, informações genéticas que estimulam processos de reparação e desenvolvimento de neurônios foram lidas com frequência.
Os resultados estão de acordo com observações feitas em seres humanos. Stanley Colcombe e Arthur Kramer avaliaram em 2003 os resultados de 18 estudos relevantes. Segundo eles, o treinamento aeróbíco melhora o desempenho cognitivo em adultos saudáveis com mais de 50 anos.
O psicólogo Ulman Lindenberger, diretor do Instituto Max Planck de Pesquisas em Educação, de Berlim, porém, relativiza esses resultados. Segundo ele, quanto mais for divulgada a ideia de que a demência não é fato do destino, mas consequência de um estilo de vida inadequado, mais provavelmente a culpa pela doença será atribuída à pessoa afetada. O especialista faz um alerta contra a estigmatização: "Não existe nenhum meio milagroso que proteja com certeza contra o declínio intelectual na velhice". No entanto, parece que já está mais do que na hora de aplicar na prática o conhecimento científico para o bem do corpo e da mente. Afinal, o estudo do cérebro nunca nos deu tantos bons argumentos para começarmos a nos exercitar quanto agora.
• Flexibiliade nas células neuronais
- Efeitos sobre o centro da memória: O hipocampo, é certamente a região mais bem estudada do córtex cerebral. Ele inclui, entre outras coisas, o corno de Ammon, curvado em espiral, e a tascia dentata. Os neurônios, que aparecem entrelaçados, podem gravar as informações que chegam por longo prazo. Para tanto, formaram se mecanismos específicos que desencadeiam rápidas alterações plásticas nas células neurais.
Atividades físicas regulares aumentam a flexibilidade necessária para essas mudanças anatômicas.
- A fonte da juventude fica na cabeça: O exercício leva a uma melhor circulação sanguínea não apenas nos músculos, mas também no tecido nervoso. Os mais finos vasos sanguíneos, os capilares cerebrais, atravessam o hipocampo e proveem os neurônios com nutrientes. O volume e a ramificação aumentam com a atividade física, podendo surgir novos vasos (angiogênese). Por meio da ativação e desativação de genes - ou seja: os planos de construção gravados no núcleo celular para substâncias mensageiras e estruturas celulares -, o exercício também estimula a construção de novos "hardwares" (neurogênese). Esse processo é coordenado pelas moléculas de crescimento VGF (vascular growth factor - fator de crescimento vascular), BDNF (brainderived neurotrophic factor - fator neurotrófico derivado do encéfalo) e IGF (insulin-like growth factor - fator de crescimento insulina símile).
- Vale movimentar-se em pensamento: Não está com vontade de praticar esporte? Não faz mal: simplesmente imagine! Apenas isso já pode aumentar a força muscular. Pelo menos é o que garantem pesquisadores da Clínica Cleveland, em Ohio, nos Estados Unidos. O médico Vinoth Ranganathan e seus colegas pediram a 30 adultos saudáveis que mentalizassem da forma mais intensa e detalhada possível o curvar do dedo mínimo de uma das mãos. Após treinamento de 15 minutos diários, cinco dias por semana, durante 12 semanas, a força muscular do dedo "mentalíado" dos atletas mentais aumentou em aproximadamente 35%. Tomografias demonstraram que áreas do cérebro frontal que preparam os movimentos se tomaram mais ativas. Aparentemente, o aumento da força deveu-se a uma "linha direta" entre o cérebro e os músculos.
Para conhecer mais
Exercise effects on depressive symptoms and self-worth in overweight children: a randomized controlled trial. K. H. Petty et aI., em Joumal of Pediatric Psychology (on-line), 16 de fevereiro de 2009.
Exercise and children's intelllgence, cognition, and academic achievement. P. D. Tomporowski et al., em Educational Psychology Review 20 (2), págs. 111-131,2008.
Revista Scientific Amenrican - por Steve Ayan